segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Mudança

A sombra que cobre os sonhos,
Desvaneceu…
O frio que gela os corpos,
Que queima desejos mortos
Adormeceu.
O medo de não chegar,
A vontade vã de gritar,
Morreu…
E nasceu o brilho que aquece,
A teia que tece a sorte no azar.
Nasceu o erguer entre o muro,
A luz clara no escuro,
A lenda mais bela: CRIAR.

Juliana Miranda, in "Momento"


sábado, 29 de janeiro de 2011

Profissão: Alpinista Social (Full-Time)

Regina (assim lhe vou chamar porque me parece um nome deveras artístico de uma verdadeira profissional do ramo), é uma mulher de abastada manobra psicológica, que tem os seus objectivos bem traçados: a defesa dos seus interesses. 
Os seus fins transformam meios. Evidência experiência, que lhe propociona um ataque milimétrico, no local certo, no tempo certo. Quanto ao seu estado civil é divorciada, uma vez que quando se iniciou no meio ainda não possuía a experiência necessária nem o profissionalismo que adquiriu ao longo dos anos. Desse casamento resultaram dois contratempos – “Sílvia” e “Paulo” – ambos na casa dos 30 anos, com uma vida moralmente aceitável, ao contrário da vida da sua progenitora.
Actualmente, e apesar de ter um dito emprego que frequenta quase de livre vontade, a sua prioridade é a obtenção duma vida de caprichos, financiada e apoiada por outrem.

“Carlos” é pai de três filhos, tem uma vida financeiramente estável e com um património considerável. Psicologicamente é apontado como um conformista, que faz do trabalho a sua prioridade. Casara com “Vitória”, mãe dos seus filhos, que por má fortuna falecera.

Regina e Carlos cruzam-se por acaso, ou talvez não. Carlos é desafiado por Regina a terem um caso, que rapidamente se torna mais sério para ambos. Carlos vê em Regina a oportunidade de estabilizar a sua vida emocional bem como confortar os seus filhos. Contrariamente Regina vê em Carlos a verdadeira oportunidade de ter aquilo com tudo o que deseja: assegurar o futuro de forma fácil. 
Poucos meses após se conhecerem Carlos convida-a a ir viver para sua casa. Regina vê assim o primeiro passo para a seu triunfo e aceita de seguida, apesar de ter clara noção que a família de Carlos não era de acordo, nem muito menos o filho mais velho do esposo. Regina não hesitou, habituada a desafios, este era apenas mais um.

Os tempos que se seguiram foram tão catastróficos como os de uma intempérie. Mas Regina manobrou com audácia a situação apesar de ter de manter a sua dupla personalidade com Carlos e conseguir com que os filhos deste a aceitassem.

Com o passar dos anos Regina lima as suas arestas, apodera-se de vários veículos, vê as contas pagas, e ainda lhe é proporcionado outros luxos fáceis, que adora. De facto os seus objectivos estavam a cumprir-se e a sombra do sucesso dava vantagem e garantias para Regina prosseguir.

(…)

Numa noite, assolado pela falsidade, e enquanto aguardava a chegada do sono, para que que lhe atenuasse a revolta que trazia dentro de si, “Sérgio”, filho mais novo de Carlos, escreveu o seguinte testemunho, quase num tom irónico:
“Hoje olho-a e o sentimento maior que me invade é a falsidade.
O público, esse, assiste sentado na plateia, sem dar a sua opinião, mas à medida que a acção se desenrolar, o enigma aumentará, o horizonte escurecerá. Porém agora o teatro está mais próximo do fim, as personagens estão a começar a revelar o que são, estão a abrir o jogo e a mostrar os sues verdadeiros interesses. Embora que da personagem principal, dessa ninguém quer ver a verdade, nem acreditar numa verdade indiscutível: a hipocrisia.
Ela é perfeita. Consegue virar o pai contra os filhos. Os filhos bem tentam mostrar a verdade ao pai, mas ele, na verdade, não quer ver.
(…)
Ameaçou sair de casa para o meu pai ter pena dela, disse que nós só queríamos era a herança, e no fundo é ela que não contribuí nada para a casa, o lucro do pouco que trabalha é  todo limpinho, provavelmente até está a fazer um plano poupança reforma, tempos que pensar no futuro! E ainda critica de que faz mais do que ela, alegando que a verdadeira “escrava” dorme todo o dia.
Quando é que tiram a máscara à protagonista? Quando queremos ver quem nos rodeia? Quando é que vamos desvendar a falsidade?
(…)
E quando a peça acabar, a verdade restaurada vou criar um novo horizonte, uma família mais unida, irão ver quem tem a razão.”

Anos depois, os alertas de Sérgio foram, de facto, realidade. Mas a história e as aventuras de Regina transcendem em muito o aqui descrito. Ela levou a sua profissão, a sua ânsia de alpinismo social, ao extremo do que ela própria conseguia e muito fica por contar…
Regina viveu por alguns anos todo o seu desejo, acabando por se afastar de Carlos. Porém, leva na sua bagagem mais uma experiência para o próximo saque.  

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Em Todos os Jardins

"Em todos os jardins hei-de florir,
Em todos beberei a lua cheia,
Quando enfim no meu fim eu posssuir
Todas as praias onde o mar ondeia.

Um dia serei eu o mar e a areia,
A tudo quanto existe me hei-de unir,
E o meu sangue arrasta em cada veia
Esse abraço que um dia se há-de abrir."

(...)

Sophia de Mello Breyner Andresen

Quadro de Elisabete Da'silva

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

À Minha Mãe

Mãe III

"O meu primeiro poema foi para ti
Mãe
E este “poema-hoje” é para ti
Também

Já não uso calções
Tu já estás velha
Que o tempo
Alterou-nos as feições

Mas acredita
Somos os mesmos
Com ilusões
E com desilusões

O tempo traz de tudo
(ou quasi tudo)
Tudo cria ou destrói
É esse o mal

Mas nunca pode
Entre nós dois
Corromper o cordão
Umbilical

Só que há dias em flores
Dias alegres
Outros de chuva
Formando lamaçais

E há que escolher
Entre o tranquilo e breve
Ou ser o só mais um
Por entre os mais

Eu não escolhi o não ser
Porque amo tudo
O bom o mau
A luta pelo incerto

Há pessoas que perto estão bem longe
Há pessoas que longe estão bem perto

Tinha eu nove anos
O meu poema foi para ti
Mãe
E este poema-hoje no certo do incerto
É para ti
Também"

Moita Macedo

 Quadro de Elisabe Da'silva

 
Narração ao som do piano

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Contorno

Nos meandros da vida
Transpira o que lhe vai na alma,
Divaga entre si e o mundo.

Perguntam-lhe como se intitula…
Dizem que é poeta.


domingo, 23 de janeiro de 2011

Deixa o Mundo Girar...

Nem a mais bela conjugação de palavras seria suficientemente elucidativa como a mensagem desta música. 
Reflictam, pois estamos mesmo de passagem...


sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Prematuro


"A vida não passa de uma oportunidade de encontro; só depois da morte se dá a junção; os corpos apenas têm o abraço, as almas têm o enlace."
24 de Setembro, de um passado demasiado próximo, 2000.

Dormia sobre a noite. Num estremecer acordo, e pronunciam “dorme”. Uma porta fecha-se.
Lá fora, por entre as entranhas da janela, pessoas falavam, sem nunca chegar a saber verdadeiramente que emoções trocavam entre si.
As horas passaram, suscito do sono como em qualquer outro dia, mas este não fora um dia comum, foi marca a fogo e hoje carrego-o em todas as jornadas da vida.
A tenra inocência de uma criança que via a avó e os tios a prepararem uma pequena mala. Na altura fiquei contente pois iria passar uma temporada a casa do meu tio, juntamente com os meus irmãos. O meu irmão mais velho não concordou com a ideia, recusou-se a ir connosco. No seu rosto corriam lágrimas ensanguentadas, argumentava que sabia o que se estava a passar e que já não era nenhuma criança. Talvez por ser o irmão mais velho percebesse (se é que alguém percebe) mais da vida do que eu e a minha irmã.
Os dias seguintes foram passados em casa dos meus tios, entre jogos, conversas e cantigas, os segundos, os minutos, as horas, os dias iam passando.
Numa terça-feira, ao acordar, a filha dos meus tios diz-me que a minha mãe faleceu. Chorei, mas acabei por não dar grande importância, afinal estava longamente habituado às intrujices que os meus primos que me tentavam empenhar.
Na semana seguinte regresso a casa, apesar das saudades dos meus pais, aquelas férias haviam sido muito divertidas.
Aquando da chegada cumprimento o meu pai e pergunto pela mãe (coisa típica de qualquer filho). A mãe não estava, pensei que tivesse ainda no hospital, pois ela tinha estado doente durante uns dias.
Semanas atrás tinha andado bastante preocupado: a minha mãe não anda muito bem, estivera com alguns problemas em respirar. Recordo-me que até rezei por ela enquanto descasávamos juntos, durante as tardes. Ainda que tenha ficado um pouco triste quando soube que tinha ido para o hospital, sabia que ia recuperar rapidamente.
É claro que íamos continuar a brincar juntos, a lavar o gato com champô, a dormir juntos, a queixar-me dos primos… e as corridas que a minha mãe fazia para me apanhar quando fazia alguma asneira, pois e as birras quando íamos passear ao Domingo. Certamente que iriam voltar a repetir-se.

Os anos passam e o tempo vai polvilhando as feridas do estado da alma com um pouco de mel, tentado adoçar a carne frígida da dor, da saudade profunda. A máquina de costura onde a minha mãe trabalhava encontra-se coberta com um lençol. O gato acabou por morrer afogado. A varanda onde bordava o linho, e eu ia metendo linha nas agulhas encontra-se desertificada.
Vim descobrindo que acabou por falecer, e já nada é igual. Tenho pena de o meu corpo de criança não ter tocado no seu caixão, de eu não lhe ter dado um último beijo, gostaria de lhe ter sentido o seu olfacto, nem que fosse por um mero momento. Nesse tempo era uma criança; hoje, já sou quase um homem, mãe.





quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Passaporte


A vida passava-me como cada passada mas no meu pensamento fazia a certo do incerto, o simples do complexo (não queria pensar muito nisso).
Depois de alguns instantes de hesitação levantei a cabeça e levei por diante o passo, com firmeza. Nas mãos carregava duas tiras: estavam perfeitamente em boas condições, límpidas e reluzentes, com uma coração nítida, forte e viva. Agarrava-as com firmeza, pois eram alas a proposição entre um agora e um depois; um até já, talvez!
A chegada fora intensa, passagem físico-psicológica de um eu para um tempo pessoal de segunda pessoa do plural – nós. Não iria ousar outro desfecho. As equações estavam processadas e os resultados encontrados, mesmo não possuindo a certeza das minhas próprias interrogações.
Sentei-me, estava frio. Passei as faces da mão uma na outra. Levantei as golas do casaco, (apesar de não ser meu tinha um apresso especial por ele) aquele odor era dupla fonte de tranquilidade na noite gélida.
Saquei do telemóvel e enviei as últimas mensagens e troquei correspondência com os rascunhos.
Peguei nas fitas e teci a morte na vida, num processo de (dis)junção, como quem compara a transfiguração do (des)enlace de umas almas para com outros corpos.
Concentrei-me em mim. Fechei os olhos. Comprimi as mãos.
Dei o impulso e entreguei-me ao DESTINO.

P.S.: Achei por bem escrever na 1.ª pessoa.



Apresentação

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."
(Fernando Pessoa)
Quando fazemos uma retrospectiva ao nosso percurso revê-se que por vezes perdemos a nossa identidade, o nosso rumo, somos meros anónimos, até para connosco. Persisto em pensar que somos acaso do fruto que bruta de marés que se manifestam, de uma casualidade que nos faz mergulhar no rio, no qual as correntes nos levam para um mar que desconhecemos.
Sou isso mesmo, tudo isso; peregrino dum caudal de um rio que não sei se está muito ou pouco poluído, mas insiste em levar-me e não me dá tréguas para atracar num porto seguro que me deixe de vez para sempre as grandes batalhas da vida que me têm levado sempre ao mesmo lugar – a lugar nenhum. Quero abrigar-me em porto seguro, num cais onde possa coexistir amigavelmente com o destino. Ambiciono ser caminheiro de mim e dominar em todo o tempo as origens desta corrente que me sufoca.
“Viagem Sem Retorno” é o fruto da reconstrução das colheitas de um rio que teima em “dar de beber à dor”. Na verdade, quero pisar o solo firme e partilhar com todos vós a experiência de vida de um jovem de 16 anos.
Tudo porque por certo há um outro lado da vida, que apesar de estarmos de passagem, seremos suficientemente capazes dum novo brotar – Alvorada!